Sobre os fantasmas da alma

Era uma madrugada de temperatura extrema, para baixo. Garoa fina navalhando o corpo horizontalmente, ajudada pelo vento suave que caprichosamente parecia deleitar-se ante o corpo enrijecido. A pé, a caminho do trabalho, pela avenida Dr. José Montaury, o homem notou ao longe gemidos quase imperceptíveis, porém longos, como de alguém que quisesse chamar a atenção para o seu lamento. Não houve jeito senão reprimir os passos, enquanto a adrenalina movia os pensamentos buscando explicação para tal.

À medida em que seguia em frente, sem nenhuma pressa, os uivos ficavam mais audíveis e da mesma forma, o corpo começava a titubear, embora a alma quisesse seguir em frente. Ainda mais que logo adiante, sabia que em um antigo castelo, sempre era surpreendido às 4h30min da manhã com um “Paz e Bem” pelo antigo morador que já se fora. Nem o castelinho existe mais.

Meia quadra adiante os gemidos ficavam ainda mais audíveis, mais assustadores, mais terríveis… Foi quando os pensamentos se voltaram ao sentimento de culpa e por quais razões fantasmas estariam a abordá-lo naquela madrugada. Sem encontrar razão pela qual merecesse, já com a alma desprendida do corpo, veio à mente aquela canção de autoria do Eric Silver e do Sergio De Britto Alvares Affonso, dos Titãs:

 

Devia ter amado mais…

Ter chorado mais…

Ter visto o sol nascer…

Devia ter arriscado mais…

E até errado mais…

Ter feito o que eu queria fazer…

 

Havia o propósito de honrar o compromisso com o horário de trabalho e mais do que isso, a consciência de não temer algo que não existe. Sim, porque fantasmas não existem. A menos que estejam na alma de cada um e aí são suas criaturas. Então, que se aprenda a conviver com eles. O jeito foi seguir em frente.

Até passar pelo castelinho e perceber que os gemidos eram o resultado do vento na chaminé desengraxada no relicário da Gruta Nossa Senhora de Lourdes. Ante imenso alívio percebeu que seria oportuno exercitar a consciência com mais frequência. Sobre atitudes, ações, comportamentos com os outros. Manter a mesma rotina ou talvez melhorar, para que, no futuro, não seja necessário depender do alerta dos fantasmas da alma. E a certeza de que, definitivamente, a consciência é o último reduto do ser humano.

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