Cúpula do Clima desafia governo brasileiro a melhorar imagem ambiental, driblar isolamento e evitar danos econômicos

Maior teste diplomático do Brasil após a posse do presidente norte-americano, Joe Biden, a Cúpula de Líderes sobre o Clima começa nesta quinta-feira (22) desafiando o governo Jair Bolsonaro a melhorar a imagem ambiental, driblar o isolamento e evitar danos econômicos. Assustados com ameaças de retaliações em razão do desmatamento, empresários brasileiros pressionam para que o Palácio do Planalto apresente metas ambiciosas diante de algumas das mais poderosas autoridades mundiais.  

Concebido por Biden para marcar o protagonismo americano numa nova ordem ambiental, o evento se estenderá por dois dias e será espécie da antessala virtual para a Cúpula do Clima que a ONU promoverá em novembro, na Escócia. Depois de ficar de fora da lista de oradores na conferência que celebrou os cinco anos do Acordo de Paris, em dezembro, Bolsonaro agora fará um pronunciamento de três minutos.   

Nos últimos dias, pelo menos dois movimentos da sociedade civil apresentaram sugestões ao discurso do presidente, com o objetivo de melhorar a credibilidade do Brasil. Reunindo mais de 280 empresas e entidades vinculadas ao agronegócio, ao setor financeiro e à academia, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura divulgou manifesto no qual elenca seis medidas para mudar a agenda ambiental. Entre as propostas, estão o aumento do rigor na fiscalização, maior transparência nas autorizações para desmatamento e implementação do Cadastro Ambiental Rural com efetiva proteção das áreas de preservação permanente.   

“Este é o momento de os brasileiros retomarem esse protagonismo histórico. Por isso, a Coalizão Brasil reafirma que a ambição do país nessa agenda climática precisa ser expressiva e permanente. Algo importante não somente para a comunidade internacional, mas também para o país consolidar-se como uma das maiores economias do mundo”, diz trecho do documento. Entre as empresas reunidas sob a Coalizão Brasil estão Gerdau, Klabin, Suzano, Itaú, Carrefour, Bradesco, Santander e Unilever.   

— Finalmente caiu a ficha do setor econômico e financeiro de que o futuro do negócio deles e da economia mundial está atrelado à sustentabilidade socioambiental do planeta. Temos a chance de nos transformamos numa potência que concilia o papel de celeiro do mundo com o de maior prestador de serviços ambientais para manter o clima equilibrado às próximas gerações — diz Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.   

É esse raciocínio que norteia outra carta enviada ao governo, pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Tendo como signatários Natura, Votorantim, Shell, Braskem, Lojas Renner, JBS, Ipiranga BRF e Siemens, entre outras corporações, o documento foi remetido aos ministérios do Meio Ambiente, das Relações Exteriores, da Agricultura e da Economia. Nele, as empresas sugerem que o Brasil antecipe de 2060 para 2050 a meta de zerar a emissão de gases de efeito estufa.   

De acordo com o CEBDS, a medida poderia propiciar ao país volume de negócios estimado em US$ 17 bilhões. A implantação de políticas de baixo carbono, sustenta a entidade, também poderia resultar em incremento no Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 2,8 trilhões, tudo até 2030.   

— A cúpula vai mostrar a ambição climática. Os Estados Unidos vão voltar com força mostrando estratégia e critérios para suas parcerias. O Brasil é uma potência ambiental e tem um protagonismo histórico. Desde o ano passado, o CEBDS cita como a questão da Amazônia estava arranhando nossa reputação. O desmatamento ilegal não beneficia a economia. Pelo contrário, destrói valor. Uma das nossas preocupações foi mostrar que as empresas que estão na Amazônia cumprem as leis, preservam e produzem. O Brasil pode ser ambicioso e se alinhar ao Acordo de Paris, zerando a emissão de gases até 2050. O setor empresarial quer que o Brasil seja visto não só como aquele que consegue cumprir as metas, mas também ser grande parceiro de outros países na questão do clima — afirma a presidente do CEBDS, Marina Grossi.  

O governo não antecipa a postura que terá na cúpula. Por canais extraoficiais, interlocutores do Ministério da Economia procuraram o WRI Brasil, autor de algumas das ideias elencadas na carta da CEBDS. Dedicada à pesquisa de ações de proteção ao ambiente que conciliem oportunidades econômicas e bem-estar humano, a entidade já havia elaborado em 2019 um estudo chamado Uma Nova Economia para o Brasil.   

Nele, os pesquisadores mostravam como a adoção de uma economia verde poderia gerar 2 milhões de empregos, principalmente na indústria e nos serviços, a partir de um processo de transição com foco em projetos de infraestrutura, inovação e agricultura sustentável. Uma das alternativas é a adoção no país de um sistema de transporte público baseado em ônibus elétricos.  

— É um dos primeiros estudos que coloca números mostrando que uma recuperação verde para o Brasil não só é desejável como é possível. E agora, já com Biden na presidência, o Ministério da Economia renovou para a gente o interesse nesse assunto, pedindo um estudo mais ambicioso. Pelo menos os técnicos já estão se convencendo de que isso pode ter um impacto bom para o Brasil e para a audiência externa, já que empresas de peso pedem a mesma coisa — afirma um dos autores do estudo, o professor de Economia da Energia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Schaeffer.  

Colaborador do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, Schaeffer está entusiasmado com a adesão da iniciativa privada à onda verde, mas mantém ceticismo ante uma nova postura do governo brasileiro na condução das políticas ambientais. Teme que a mudança seja apenas no discurso.   

Afinal, o Planalto apenas renovou o compromisso adotado em 2015 de zerar as emissões de gases até 2060. Por outro lado, reduziu o orçamento do Ministério do Meio Ambiente ao menor nível em 21 anos, esvaziou autarquias importantes como o Ibama e o ICMBio e ainda mantém desde 2019 parados no caixa R$ 2,9 bilhões em recursos para proteção ambiental. 

Ao mesmo tempo, está pedindo US$ 10 bilhões à comunidade internacional para neutralizar a emissão de carbono até 2050, uma meta já anunciada por vários outros países e reivindicada internamente pelo setor produtivo. Para zerar o desmatamento ilegal até 2030, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exige mais US$ 1 bilhão. As estatísticas recentes, contudo, mostram aumento do desmatamento na Amazônia.  

— O que está sendo levado lá é a pior abordagem possível: “Você me dá o dinheiro que eu executo depois”. Só que o nosso histórico recente é de aumento de desmatamento. O mundo está integrado, todo mundo sabe o que está ocorrendo e qualquer retórica que se faça não é crível. Mas também não é impossível. De 2005 a 2012, reduzimos em 80% o principal problema de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, que é o desmatamento na Amazônia. Ao mesmo tempo, dobramos a produção de carne e grãos na região. Já mostramos que o Brasil é capaz de continuar alimentando o mundo e ao mesmo tempo protegendo a floresta. O Brasil não pode ser pedinte. Tem de ser protagonista do processo — afirma Moutinho.  

Presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o Brasil “não tem que ser mendigo” no combate ao desmatamento e salientou que o país tem matriz energética mais limpa do que potências desenvolvidas, além da ampla cobertura vegetal nativa.  

— Vamos colocar a coisa muito clara: temos as nossas responsabilidades. O Brasil é responsável só por 3% das emissões no mundo. Desses 3%, 40% é o desmatamento, ou seja, 1,2% do que se emite no mundo é responsabilidade do desmatamento nosso aqui. Tem que fazer nossa parte. Não queimamos petróleo e carvão como outros países queimam e temos lugar certo na mesa de conversa sobre mudança no clima — declarou.  

Os desafios ambientais do governo brasileiro

Reduzir o desmatamento 

Novo levantamento do Imazon revelou que a Amazônia Legal teve 810 quilômetros quadrados de território desmatado em março. É um aumento de 216% em relação ao mesmo período de 2020, o maior dos últimos 10 anos. A adoção de políticas eficazes de combate ao desmatamento é primordial não só pela visibilidade do fenômeno, mas também diante das exigências de redução a zero das emissões dos gases de efeito estufa. Atualmente, a supressão de vegetação gera 45% desses gases. 

Recuperar a credibilidade 

Às vésperas da Cúpula do Clima, artistas, celebridades, ambientalistas e governantes engajaram-se numa campanha para que os Estados Unidos não fechem acordo ambiental com o Brasil. Mais urgente do que o cumprimento de metas é a recuperação da credibilidade internacional, abalada pela atual política ambiental.  

Investir em economia verde 

Estudos levados ao governo demonstram que a aposta numa economia de baixo carbono pode gerar R$ 2,8 trilhões de incremento no PIB. Para tanto, é necessário investir em infraestrutura de qualidade, inovação industrial e agricultura sustentável. Somente a recuperação de 12 milhões de hectares degradados poderiam gerar investimento de R$ 19 bilhões em 10 anos, com R$ 742 milhões em arrecadação ao governo. Hoje o Brasil tem 15 milhões de hectares já desmatados e abandonados. 

Fonte: GZH

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