Pandemia reduziu a menos da metade o movimento em rodoviárias do RS

As empresas de ônibus intermunicipais de longo curso e as estações rodoviárias do Rio Grande do Sul estão entre os setores mais prejudicados pela pandemia, afirmam gestores que atuam no ramo e, diariamente, duelam contra a crise em busca de sobrevivência. Dados indicam que a situação, de fato, é preocupante. O diretor de Transportes Rodoviários do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Lauro Hagemann, diz que o sistema regular de linhas de longo curso transportou 31 milhões de passageiros em 2019, antes da pandemia. Em 2020, o número despencou para 13 milhões.

Seguindo a tendência de queda, o primeiro trimestre de 2021 atendeu 2 milhões de clientes. Conforme a Associação Gaúcha de Pequenas e Médias Empresas Transportadoras de Passageiros (AGPM), a queda de viajantes, desde abril de 2020 até o presente, oscilou de 61% a 84% entre os seus 47 filiados. No período, a receita das empresas caiu em níveis semelhantes.

– Estamos em situação muito crítica. Não existe mais demanda de passageiro para lugar nenhum. Não sabemos o que fazer, mas teremos de ser criativos para recuperar um pouco da demanda – diz Ernani Kahmann, presidente da AGPM.

Ele também é diretor-presidente da Expresso Sinimbu, de Santa Cruz do Sul, empresa que está com 70% da frota de linhas regulares paralisada em razão da ausência de clientes. Se os passageiros diminuem, perdem as 240 empresas de ônibus de longo curso que atuam no Estado, mas também as estações rodoviárias, que têm dentre suas principais fontes de receita a comissão de 11% sobre os bilhetes vendidos e de 15% sobre o despacho de encomendas transportadas nos bagageiros dos coletivos.

O cenário dramático é ilustrado por Nelson Noll, presidente do Sindicato de Agências e Estações Rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul (Saerrgs) e sócio-diretor do terminal de ônibus de Lajeado. Na central da cidade do Vale do Taquari, a média mensal da venda de bilhetes caiu de 30 mil, em 2019, para 12 mil nos períodos de bandeira preta do modelo de distanciamento controlado do governo gaúcho, em 2020 e 2021. Quando a faixa de risco é vermelha, a comercialização de passagens alcança a média mensal de 15 mil, metade do patamar dos tempos pré-pandemia.

– Todas as estações rodoviárias estão trabalhando no prejuízo. Muitas estão vendendo bens próprios dos seus sócios para fazer frente e ver se a coisa vai melhorar – afirma Noll.

Atrasos

No período da pandemia, entre 2020 e 2021, 11 estações rodoviárias pediram autorização ao Daer, que fiscaliza o setor, para encerrar as atividades, incluindo os terminais de Estrela e Campo Bom. Atualmente, conforme Noll, restam 203 rodoviárias no Estado.

A consequência é que as empresas do ramo estão atrasando com frequência os salários dos trabalhadores. O recolhimento de impostos e as contribuições de FGTS também estão sendo deixados de lado na hora de escolher o que pagar com o dinheiro que entra no caixa.

– Muitas empresas estão com salários e tributos atrasados. Está inviável, e a tendência é de não termos expectativa de melhora no curto prazo – avalia Kahmann.

A taxa de ocupação dos coletivos, na pandemia, esteve restrita a 50% a 75% dos lugares, dependendo da bandeira do sistema de distanciamento controlado. Na prática, seja pelo receio de andar de ônibus ou por medidas como o teletrabalho, o número de passageiros demandando coletivos intermunicipais de longo curso foi menor do que a quantidade de lugares disponíveis. Ou seja, descontadas as restrições, os ônibus não rodam com todos os bilhetes possíveis vendidos.

– Tudo que se fala é na restrição de mobilidade, e nós dependemos dos deslocamentos de uma cidade para outra. Em abril de 2020, tivemos queda de 83% do nosso faturamento. Em março de 2021, nossa receita reduziu 75%, comparando com o que tínhamos antes da pandemia – lamenta José Antônio Rodel, diretor da Expresso Frederes, empresa de porte médio, com 200 empregados, e especializada na ligação rodoviária entre Porto Alegre e cidades da Zona Sul como Tapes, Camaquã e Jaguarão.

Com a queda brusca de passageiros, a Frederes teve de readequar os horários de suas linhas. Antes da pandemia, a empresa fazia 77 viagens por dia. Neste momento, em abril de 2021, são 32 partidas a cada 24 horas.

“Deserto”

As reduções de viagens, somadas às paralisações de frotas e suspensões de linhas, podem criar desertos no transporte regular de passageiros, deixando a pé pessoas que precisam se locomover entre cidades do Interior.

– Já temos localidades que não são mais atendidas. Desde o início da pandemia, não temos mais ônibus de Lajeado para Taquari. E vice-versa. As pessoas que precisam dessa linha tiveram de procurar outro meio de locomoção, seja uma carona, o BlaBlaCar (aplicativo de transporte) ou os ônibus clandestinos. Essas pessoas dificilmente voltarão para o sistema regular – diz Nelson Noll, presidente do Saerrgs e sócio-diretor da estação rodoviária de Lajeado.

O impacto da pandemia no setor de transporte de passageiros foi mais agudo porque, há cerca de uma década, o modal perde público progressivamente. Isso ocorreu por conta das crises econômicas e as mudanças de perfil do usuário, que passou a andar mais de carro particular e de avião, para deslocamentos longos. Lauro Hagemann, diretor de Transportes Rodoviários do Daer, acrescenta que o fretamento de ônibus por grupos fechados de turismo e de negócios cresceu e também retira público das rodoviárias. Além disso, surgiram recentemente concorrentes não regulamentados, como o BlaBlaCar e o Buser, que fazem viagens informais de carro e de ônibus.

– A partir de 2014, a redução de passageiros foi drástica. A pandemia veio numa hora em que já pegou a maioria das empresas descapitalizadas. A situação é bem complicada – diz José Antônio Rodel, da Expresso Frederes.

Impacto

Alex Sandro dos Santos Dornelles trabalha há 20 anos como motorista em uma empresa de transporte intermunicipal de longo curso e jamais passou por crise como a atual. Ele tem convivido, frequentemente, com salários atrasados. Dornelles entende que a “culpa” sequer pode ser debitada na conta dos patrões, já que todos estão lidando com o sabor amargo da queda brusca de passageiros. Diariamente, depois de dirigir das 4h às 10h30min, ele retorna para casa, almoça e, no período da tarde, faz bicos para reforçar a renda. Atualmente, está vendendo doces e salgados no comércio com o irmão.

– Isso impacta a nossa vida de todas as formas. As contas de água e luz não esperam para vencer. Graças a Deus a minha esposa trabalha e estamos conseguindo nos virar. Tenho colegas no ramo que estão passando muita dificuldade. Teve gente que já infartou e surtou por causa das preocupações – lamenta Dornelles, de 45 anos.

Alternativas

Representantes do setor consideram que o retorno do programa de redução de salários com diminuição da carga horária, ficando a cargo do governo federal o pagamento de uma parte da remuneração do empregado, é uma medida urgente. Em 2020, dizem empresários do ramo, foi uma alternativa que reduziu custos da folha e ajudou a manter empregos.

Sem exceção, todos os consultados pela reportagem citam a vacinação em massa como o principal caminho. A avaliação é de que, com a maioria da população imunizada contra o coronavírus, as pessoas voltarão a ter mais confiança para viajar de ônibus. Quando o assunto é custeio do sistema, o item mais lembrado é a retirada dos impostos sobre os combustíveis.

– A desoneração ajudaria, seria muito bem-vinda – diz Ernani Kahmann, presidente da AGPM.

Ele destaca que há 17 grupos que detêm descontos ou gratuidades nas viagens, desde policiais até professores primários, estudantes, aposentados, deficientes físicos carentes e seus acompanhantes. O setor considera os benefícios excessivos. Retirá-los em parte, avaliam empresários, reforçaria a operação das companhias.

Diretor de Transportes Rodoviários do Daer, Lauro Hagemann afirma que o órgão já fez o que estava ao seu alcance para auxiliar. Uma das medidas autorizou as empresas a reduzirem os horários das linhas e concentrarem seus veículos nos momentos de maior demanda. Isso permitiu que menos coletivos fossem colocados na estrada com número ínfimo de passageiros, ocasionando redução de custeio.

A segunda ação do órgão foi suspender a cobrança da outorga mensal das gestoras de rodoviárias que recentemente ganharam licitações. A outorga é o valor que o empresário oferece de pagamento ao Estado pelo direito de explorar o serviço colocado em leilão. Com a decisão do Daer, as parcelas relacionadas ao aporte estão sendo jogadas para o futuro.

Mesmo com as demandas ao poder público, líderes do ramo reconhecem que será preciso repensar o modelo e usar a criatividade para recuperar passageiros.

– Empresas de ônibus e estações rodoviárias vão ter de descobrir o que fazer para chamar o pessoal de volta, seja por descontos ou promoções. Acredito que o sistema não vai acabar, sempre vai precisar da referência que é uma estação rodoviária, mas não vai ser nos padrões que tínhamos antigamente – diz Nelson Noll, presidente do Saerrgs e sócio-diretor da rodoviária de Lajeado.

Ele diz que um dos maiores desafios será “repensar” o modelo de negócio, buscando adaptação aos novos tempos.

– Fizemos a rodoviária de Lajeado com 21 boxes. Se fôssemos construir hoje, não precisaria ter mais de nove – ilustra.

Fonte: GZH 

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