Produtos orgânicos: O cultivo que pensa na natureza e nas gerações futuras

Pela legislação brasileira, considera-se produto orgânico, seja ele in natura ou processado, aquele que é obtido em um sistema não convencional de produção agropecuária ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local.

Para serem comercializados, os produtos orgânicos deverão ser certificados por organismos credenciados no Ministério da Agricultura, sendo dispensados da certificação somente aqueles produzidos por agricultores familiares que fazem parte de organizações de controle social cadastradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que comercializam exclusivamente em venda direta aos consumidores.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Cedenir Postal, a produção deste tipo de produto tem uma interação muito grande com a natureza e cuidados com o solo. “São incorporadas matérias orgânicas, feitas compostagens e outras práticas em prol do meio ambiente”, conta.
Segundo Cedenir, há produtos orgânicos cultivados em grande escala. “Como algumas plantações de cana de açúcar, arroz e soja. Assim como na pecuária, existem ovos e gado”, informa.

Os produtos orgânicos certificados são, geralmente, mais caros que os convencionais. A demanda de mão de obra e custos de produção são maiores, o que influencia no valor final para o consumidor. “É necessário mais pessoas para cultivar e colher uma certa quantidade de alimentos. A maior parte das funções são feitas manualmente, isso já encarece muito. Além disso, há poucos no mercado que têm registro para cultura orgânica, o que acaba elevando o valor”, menciona. Ele também relata a alta qualidade desses itens.

25 anos voltados à produção orgânica

 

O agricultor dos Caminhos de Pedra, Gilmar Cantelli, atua na produção de produtos orgânicos desde 1997. “Cultivo, basicamente, tudo que dá em horta e tenho uma gama de 50 itens diferentes como alface, radite, rúcula, alho-poró, beterraba, cenoura, rabanete, couve-flor, repolho, brócolis, tomate, vagem, pepino, pimentão, berinjela, morango, amora e vários outros. Só não planto aqueles de safra, como batata doce, aipim e abóbora”, diz.

Conforme Cantelli, para ter uma produção orgânica, primeiramente, não se faz o uso de nenhum defensivo agrícola. “Dessa forma, cultiva-se o solo de uma maneira mais natural, que não agride a natureza. Por isso que uso produtos e insumos processados de matérias orgânicas e restos de outras culturas, onde é feito um processo de fermentação para a criação de adubos para as plantas”, informa.

O produtor utiliza a plasticultura para não deixar muitas ervas invadirem a plantação. Esse método também tem o objetivo de aumentar a produtividade dos cultivos, reduzir drasticamente o consumo de água e gerar um uso mais racional dos insumos agrícolas. “Além disso, preparo o canteiro e como não se tem uso de herbicidas, passo fogo quando começa a germinar os primeiros inços, para depois fazer o plantio definitivo. Revira-se bem o canteiro, já com o adubo”, comenta.

A principal diferença entre produtos orgânicos e não orgânicos está na forma de condução que é feita a lavoura, que neste caso é realizada organicamente. “Não utilizo nenhum pesticida, herbicida ou adubo químico. Por isso, acabo perdendo bastante produção e é necessário investir muito em mão de obra. Não existe um pré-emergente que iniba as ervas daninhas nas cenouras, por exemplo, então tem que limpar três ou quatro vezes para poder colher”, revela.

De acordo com Cantelli, esses e outros fatores influenciam no valor final para o consumidor. “O produto orgânico em si, às vezes é um pouco menor, pois não há adubação química, que é o que deixa os produtos maiores. Além de ter menor produção e maior trabalho em cima dele”, frisa.
Ele destaca a importância das plantas selvagens e da utilização de tudo o que sobra. “Deixo o capim vir e fazer seu trabalho de reciclagem dos nutrientes do solo, ele retira alguns e deixa outros. Algumas coisas sobram das culturas que planto, como morango e figo, com elas produzo algumas geleias para consumo próprio de minha família”, explica.

Às vezes, o agricultor perde muitos produtos por causa da praga da mosca da fruta e não é nada que possa usar para inibi-la. Mesmo assim, sua prioridade é deixar um lugar mais ecológico para a geração futura. “É um trabalho que faço pensando principalmente na natureza, nós não devemos prejudicá-la e sim cuidar do que ainda nos resta. Reciclo tudo de plástico e o que utilizo na cobertura do solo”, realça.

Cantelli e a esposa, Dalvina, também participam da Feira Orgânica desde 1998, ele conta que nos últimos anos ela acontecia nas terças e sextas-feiras, em dois pontos da cidade, mas atualmente reduziu a um dia. “A que comparecemos é perto da Epopéia Italiana, o trabalho que realizamos é familiar e diário, de domingo a domingo estamos nas estufas batalhando para trazer um produto de qualidade para o consumidor”, completa.

O selo

No país, a produção orgânica tem um selo oficial, o Produto Orgânico Brasil. Ele é controlado pelo Ministério da Agricultura e possui duas divisões: o Sistema Participativo de Garantia, que tem a participação dos agricultores desde o primeiro ato de documentos e construção de grupos, os quais têm o compromisso de fazer verificação cruzada entre os membros. “Neste tipo, constitui-se núcleos por região, temos o Serra da Rede Ecovida de Agroecologia, que é uma das maiores certificadoras participativas do Brasil”, relata.

A segunda é a Certificação por Auditória, onde uma empresa contratada verifica se os agricultores e cooperativas atendem às regras da produção orgânica. “Os analisadores providenciam toda a documentação e manda ao Ministério da Agricultura, que homologa e permite o uso do selo”, completa. Além disso, ambos utilizam o mesmo rótulo, somente mudando as escrituras, conforme a divisão em que estão integradas.

Uma profissão que busca ajudar o agricultor

Na terça-feira, 13 de setembro, comemorou-se o Dia do Agrônomo, profissional responsável por estudar, definir e aplicar as melhores técnicas e métodos para melhorar a produtividade do setor agropecuário, sempre de forma a respeitar e conservar o meio ambiente.

O engenheiro agrônomo, mestre em produção vegetal e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRS) de Bento Gonçalves, Luís Carlos Diel Rupp, conta que o trabalho de um profissional de sua área em relação aos produtos orgânicos é muito amplo. “Na formação de novos técnicos do nível superior e no médio em agropecuária, se prepara os alunos para conhecer esse sistema de produção e saber como ajudar os agricultores a fazê-la”, diz.

Também, dentro do instituto, há atividades de pesquisa para desenvolver soluções tecnológicas e investigar problemas que podem existem no âmbito da produção orgânica, como controlar determinado inseto ou doença, o manejo do solo e a adubação das plantas. “Esse estudo é fundamental, precisaria ter mais investimentos, recursos e pessoas envolvidas para gerar soluções que aumentassem a segurança de um cultivo, garantindo uma colheita bem sucedida aos agricultores”, propõe.

Existem feiras mundiais para se conhecer todo o mercado orgânico e cada país tem sua legislação referente a este tipo de cultivo. Além disso, Rupp destaca a importância da busca por conhecimento. “Na Europa, essa produção não convencional é fabulosa, aqui na Serra Gaúcha ainda temos muito a aprender e é importante estar conectado na internet para conhecer os diferentes tipos de fazer esse cultivo que existem no mundo. Porém, também tem a questão da localidade, algumas tecnologias usadas na França, por exemplo, não teriam o mesmo resultado ao serem implantadas aqui”, observa.

A inovação tecnológica é fundamental, sem ela não se avança e aos problemas antigos demorarão a serem solucionados. “Muitas vezes servem para explicar os fungos e bactérias que se usa atualmente para controlar alguns insetos. Como as vespas, que desde sempre controlam algumas pragas, mas só hoje temos o conhecimento para estuda-los e usa-los ao nosso favor. Quando eu libero a vespa para ela controlar a lagarta do cartucho do milho? Quando jogo meu controle biológico para tirar a botrix na cultura da uva? Entre outras questões”, exemplifica o engenheiro agrônomo.

Para Rupp, a produção orgânica é uma questão de necessidade e oportunidade econômica. “Temos que levar em consideração que, na agricultura, precisa-se de água, de um solo e de pessoas que queiram fazer isso. Esse tipo de cultura contribui para isso, traz uma série de princípios e características em que a preservação da biodiversidade é o foco, estando em sintonia com esses ecossistemas naturais e, também, zelando pela vida das pessoas. É uma questão de saúde.”, salienta.

O professor espera que os agricultores possam ter novas ferramentas de manejo, fertilização, adubação e controle de pragas, minimizando o impacto negativo que existe nesse tipo de produção. “Que o uso da água e da energia sejam cada vez mais eficientes, sendo menos dependentes de fontes não renováveis”, sugere.

Fotos: Cláudia Debona

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