Dom Alessandro deixa a Diocese de Caxias do Sul neste domingo

Da ampla janela de uma das salas do Bispado, dom Alessandro Ruffinoni observa o movimento da Praça Dante Alighieri, no coração de Caxias do Sul. Foi de lá, do alto das escadarias do Bispado, que assistiu aos desfiles da Festa da Uva, comícios políticos, protestos, procissões e dezenas de outras manifestações populares. Na tarde da última quinta-feira (5), ele recebeu a reportagem do Pioneiro em um ambiente secundário, mas de frente para a Rua Sinimbu. A sala principal já foi destinada para o novo bispo, dom José Gislon, a quem ele entrega o bastão (bácula) neste domingo, na Catedral Diocesana. No semblante, nenhum vestígio de tristeza, de melancolia ou de preocupação por deixar o cargo. Inquieto e muito falante garante que sua missão foi cumprida.

Durante nove anos, o italiano Alessandro comandou a Diocese de Caxias, que atende a 29 municípios e tem cerca de 650 mil fiéis. Não foi uma gestão muito fácil. Enfrentou resistências por não ser da Serra, mas garante que se deu bem com os gringos da região. Também se deparou com situações de resistência de alguns padres que se negaram a ser transferidos de paróquia. Admite que não teve pulso firme para impor suas decisões em alguns casos.

No final da entrevista, tentou despistar sobre seu futuro alegando que dispõe de três opções. Mas não escondeu um largo sorriso quando questionado sobre sua ida ao Paraguai, onde atuou por 12 anos e pretende ajudar o núncio apostólico (bispo de lá), Eliseu Ariotti, que está no comando da paróquia Cidade del Este: “Ainda não posso confirmar. Só será anunciado em outubro”.

Confira trechos da entrevista:

Pioneiro: Como o senhor avalia a sua gestão à frente da Diocese de Caxias do Sul nestes últimos nove anos?
Dom Alessandro Ruffinoni: Já mandei esta avaliação para o Papa, são mais de 100 páginas. Resumindo… não inventei coisas novas, apoiei o que os padres decidiram nas reuniões. Acolhi as decisões e divulguei. Durante cinco anos realizei visitas pastorais em todas as 74 paróquias e 973 capelas. Fui nas escolas que me convidaram e consegui conversar com os alunos de perto. Nessa trajetória, percebi o carinho que o povo tem pelo bispo. Tentei fazer o melhor, mas reconheço que nem sempre consegui.

Em sua primeira entrevista como bispo ao Pioneiro, em junho de 2010, o senhor disse que um dos desafios era atrair os jovens à Igreja. Acha que conseguiu?
Não sei se atrai, mas apoiei. Formamos uma equipe e liberamos dois padres para trabalhar com os jovens. Trilhamos um caminho. Como sou um velho, não conseguiria atrair a atenção deles. Os jovens escutam padres jovens. Tivemos a Jornada Mundial da Juventude, a Jornada Diocesana, em Caxias. Várias iniciativas foram colocadas em prática.

O senhor acha que se deu bem com os gringos da região?
Tenho a impressão que sim. Tive dificuldades porque vim de fora, de outra região. Isso fez com que padres da diocese resistissem. Havia a expectativa de ter um bispo daqui. Tive algumas dificuldades com alguns sacerdotes. Teve momentos em que precisei ser mais firme.

O senhor comunicou transferências de padres de suas paróquias devido ao tempo proposto de no máximo oito anos. Muitos se negaram a obedecer a indicação. Houve desentendimentos por conta disso?
Sim. Alguns (quatro) negaram, resistiram, adiaram. A transferência acontece quando um padre solicita, não está bem em uma paróquia ou quando se passou o limite máximo de oito anos. Sempre tentei negociar, ouvir suas razões. Os que resistiram terão que aceitar agora (com o novo bispo)

Faltou pulso firme?
Sim, reconheço que não tenho pulso firme. Me deixo convencer. Os padres apresentaram suas posições, seus problemas e acabei cedendo. A transferência não é uma decisão do bispo, é de uma equipe que analisa e discute exaustivamente cada caso. Mas cabe ao bispo anunciar a decisão. Em vários casos deixei a emoção falar mais alto.

Qual o momento que mais o deixou triste na gestão de uma das maiores dioceses do Estado?
As desistências dos padres. Foram três, ainda não bem definidas, mas eles se afastaram. A saída de um padre sempre é triste. Quando ele decide se afastar é porque não está contente com a sua função. Então, é preciso deixá-lo ir. Eles só percebem isso depois da ordenação. Três é um número significativo. Atualmente, temos 106 padres na Diocese, mas disponíveis só temos 80. Os demais estão sendo afastados por causa da idade e outros 15 morreram.

O presidente Jair Bolsonaro tem batido na igreja católica a nomeando como pró-comunista e defensora de ideais de esquerda. A CNBB divulgou uma nota repudiando atitudes vindas de decisões governamentais… Qual a postura da Igreja diante disso?
A postura da Igreja é do evangelho. O que fala de justiça, caridade, honestidade. Não é comunista. Comunismo é negar a Deus. Alguns padres podem dar a impressão de são esquerdistas, mas não representa o que a Igreja pensa. O evangelho não defende ninguém. Não somos de nenhum partido. Formamos cristãos para que tenham valores, que sejam bons políticos.

Como o senhor avalia o governo Bolsonaro?
Acho que deveria falar menos. Apoiamos as reformas para o bem da nossa comunidade.

O senhor votou nele?
Silêncio… Para cambiar (mudar), votei nele. Ele é de outra religião, mas não sou contra isso, desde que divulgue o bem.

O senhor já optou por algum lugar para seguir, quando estará, a partir deste domingo, como Bispo Emérito de Caxias do Sul?
… tenho três opções. Para o Santuário de Caravaggio, em Farroupilha, ou para Nova Prata, onde tínhamos planejado a criação de uma nova Diocese para atender melhor às comunidades… Mas, agora, este projeto está parado, devido à resistência de alguns padres daquela região que não acham necessário…

A terceira opção seria uma Diocese no Paraguai?
… (reação de surpresa). Sim, trabalhei lá por 12 anos. Conheço bem a região, visitei muitas paróquias. O convite partiu do núncio apostólico (bispo) Eliseu Ariotti, que atua na Diocese Cidade del Este, próximo a Foz do Iguaçu (PR). O projeto é de criar uma nova Diocese. Não vou lá para fazer milagres, vou ajudar o bispo de lá.

Essa decisão será anunciada quando?
Em outubro. Até lá vou viajar para a Itália. Na volta, vou me encontrar com o Ariotti, no Paraguai, visitar os padres de lá, saber o que pensam …

O senhor pretende retornar a Caxias?
Sim, quando ficar velho, doente… Aqui tem casa para os padres idosos e, provavelmente, serei enterrado na Catedral Diocesana.

Vai deixar testamento…
Não. Tenho um dinheiro em um fundo e que já estou distribuindo para associações, entre elas a Associação Sérgio Maria Vianney, que cuida dos padres idosos. Não vou deixar testamento porque ele pode ser desfeito depois da minha morte. Não vale nada e cada um faz o que quer. Até 62 anos, não tinha um tostão no bolso. Comecei a ter algo depois que fui nomeado bispo, quando me aposentei pelo governo. Minha família não precisa do meu dinheiro.

Reportagem especial do Jornal Pioneiro

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