Veranópolis Inspira: Jordão – Uma vida repleta de descobertas e evoluções

Jordão Ferronato nasceu em 1939, no interior de Veranópolis, e, de sua infância, as memórias que vêm são muitas; uma delas é a chupeta de açúcar, enrolado num pedaço de pano para distrair o choro enquanto a família trabalhava na roça. Aos cinco anos, ingeriu, por acidente, soda cáustica, e sobreviveu – até hoje é aparentemente um gastro-mutante, que pode ingerir praticamente qual-quer coisa, sem que haja consequências nefastas.
Aos 12 anos, foi para o seminário, onde tinha como pseudônimo Agatângelo. Nesse período, foi mais multitarefeiro do que estudante dirigia jipes, cozinhava, montava e desmontava coisas, ‘eletricizou-se’, o que, posteriormente viria a ser sua profissão oficial. Fez votos simples e trabalhou na tipografia Riograndense, de Caxias do Sul, por dois anos. Em suma, foram: três anos em Vila Flores; três anos em Veranópolis; dois anos em Flores da Cunha, um ano em Porto Alegre; dois anos em Caxias do Sul, e, finalmente, um ano para pensar se assumiria a batina, passado no Noviciado de Garibaldi.
Quase irremediavelmente Padre, largou a batina nos últimos segundos do segundo tempo. Voltou para casa e dividia a vida entre São Roque e Veranópolis. Trabalhou como hortifrutigranjeiro, aperfeiçoou suas técnicas de eletricista e tentou manter uma oficina de rádios. Antes tarde do que nunca, encontrou alguém para desposar, uma professora! “Ex-seminarista tira sorte grande na loteria da vida, casa-se com uma professora” – essa teria sido uma manchete de jornal na época. Disso, o primogênito, que chegou com ‘créditos’ aos pés do berço para que não houvesse dúvida na produção, nem confusão no berçário. E dizem, saiu parabenizando quem cruzasse pelo caminho, tamanha a euforia do rapaz.
Por 12 anos, costurou uma vida de programador, projetista e publicitário cinematográfico no Cine Imperial, de Veranópolis. Gigantescas cortinas italianas de veludo roxo se abriam ao som do Toque de Silêncio. Durante aquela ditadura nacional, era obrigatório reproduzir discos compactos enviados pelo Governo Federal, com o intuito de divulgar as ações realizadas – uma espécie de Voz do Brasil. O cinema foi ‘cosa nostra da famiglia Ferronato’, com o avô Luiz na bilheteria, a avó Metilde no baleiro, e Jordão na projeção, que era composta por máquinas a carvão, trocas de, em média, quatro ou cinco rolos por filme, colagens e remontagens emergenciais, sempre que a fita do filme se rompesse ou queimasse. Jordão fazia também a vigilância entre os espectadores mais ‘passadinhos’. Vira e mexe, alguém queimava um fiozinho do terrível ‘peido japonês’. E assim foram rodados filmes de todos os gêneros, inclusive sexo. Deu a louca no mundo; Tubarão; Mazzaroppi; Faroestes; O Exorcista; Dr. Jivago; os Trapalhões; E o vento levou; Sissy – a Imperatriz; Contatos Imediatos do Terceiro Grau; Guerra do Vietnã; Teixeirinha; entre tantos. Capturar o público era essencial, então, vasculhando lojas em Porto Alegre, assumia e vestia novo papel, agora como publicitário, encarnado uma personagem ou ambientando o espaço com temas cinematográficos, sendo os mais memoráveis: King Kong (totalmente vestido de macaco, preso em correntes sobre uma camionete da Colombo); A invasão das aranhas gigantes (várias, enormes, criadas com madeira, canos, pelagem de coqueiros e olhos iluminados, suspensas sobre as filas de entrada do cinema) e Esses homens e suas máquinas voadoras (sem assinar contrato, desfilou pela cidade com seu fusca, sobre ele um outro carro cênico, e dentro desse, um ator mirim – não por acaso, o primogênito!).
Pelos idos de 1998, assumiu e vestiu o papel do Noel Elétrico, com seu fusca verde indefectível. Começou só, e, posteriormente, foi ganhando doações para distribuir balas e desejos de boas festas pela cidade. Diz ele que os olhos das crianças brilhando e adultos comovidos pelo ar natalino, com músicas temáticas, sempre foram suas maiores motivações. Foram muitas tentativas e erros até acertar um figurino mais adequado. Segue até o presente, sendo que neste último, teve um auxiliar de papai noel. 
 

Gambiarras do professor pardal…
Dentre suas tantas invenções estão:  na cozinha maluca, adaptou uma pá motorizada, com bastante molejo para mexer marmeladas e geléias; elevador para construção, edificado a partir de peças de um ferro-velho; televisor giratório para ser usado em dois ambientes; inventou, patenteou e perdeu os direitos – por puro descaso, ou distração, uma ferramenta para criar roscas em canos de PVC. Era uma rosqueadeira prática, bastante usada por eletricistas. Hoje, pertence a uma grande empresa paranaense; numa imaginária ‘Copacabana particular’ – salvo as proporções, não passa uma virada de ano sequer sem que conduza um pequeno show pirotécnico com fogos, foguetes, faíscas e explosivos – remanescência de um ofício exercido ainda no seminário: montador de artefatos pirotécnicos, com salitre, enxofre, carvão e demais componentes.
Além de tudo isso, ao longo de sua vida, foi consultor e executor de diversos efeitos especiais em apresentações artístico-culturais promovidos pela escola Regina Coeli; fotógrafo de cena (com flashes a pólvora) e contra-regra auxiliar do grupo teatral Solo Essere; também assistiu seu pai Luis na construção de canteiros do que se tornou uma ‘horta suspensa’ no centro da cidade. Do início ao fim da experiência, mantida com primor por Luis, houve flores, temperos, frutos e verduras que abasteceram os moradores do prédio, numa minifeira semanal.
Ele possuía inegável vocação para a discotecagem, evidente em eventos de rua, desfiles de São João; campanhas de política contratadas, rodeios, publicidade de empresas, festas no interior; acampamentos e jantares, além de, obviamente, ter sido um dos poucos, quiçá único, Dee Jay de velórios – um sacro, quando da cerimônia de despedida do Frei Gervásio Ferronato, na Igreja Matriz, e um festivo, no da própria mãe, com músicas que ela gostava de escutar, pois foi assim que ela viveu – festivamente!
Seu Jordão é inspiração para muitos!

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