“É uma dor não ter o corpo dele para dar um abraço e um beijo”, desabafa mãe de homem morto na guerra na Ucrânia

O clima é de tristeza e incredulidade em São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra. O assunto que predomina na cidade de 3,5 mil habitantes é a morte de Douglas Búrigo, 40 anos, na Guerra da Ucrânia. Muitos ainda não conseguem acreditar que ele perdeu a vida em combate na região de Kharkiv, onde foi vítima de um bombardeio entre a noite de sexta-feira (1º) e a manhã de sábado (2).

Na borracharia, na loja de pneus e no restaurante da família na BR-285, pouco antes de chegar a São José dos Ausentes, foram colocadas fitas pretas em homenagem ao gaúcho.

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Ele deixou a cidade serrana em 22 de maio. Essa foi a segunda tentativa de ir ao país europeu e ajudar voluntariamente as forças ucranianas. No dia 6 de abril, Dodo, como era chamado pela família e amigos, chegou a São Paulo para embarcar. Segundo a família, Douglas havia recebido a informação de que poderia pegar um voo internacional sem passaporte. Como não conseguiu, retornou a São José dos Ausentes, mas isso não fez com que desistisse. Aos amigos, ele dizia que tinha um sonho e uma missão e que iria ajudar as crianças que estavam machucadas e sofrendo na guerra.

Há fotos de Douglas espalhadas pela casa onde ele  morava com os pais, o veterinário aposentado Pedro Búrigo, 71, e a professora Cleuza Marisa Rodrigues Búrigo, 60, e com a irmã, Débora Búrigo, 19. O quarto dele ainda está intacto.

— Ele sempre voltava — conta a mãe, com um lenço vermelho típico de gaúcho, que ela diz que ainda tem o cheiro do filho.

Na mesa, a mãe mostra álbuns de fotografia à reportagem. Cleuza se emociona ao lembrar da infância e adolescência do filho. Ele estava sempre se machucando devido às brincadeiras de criança: o então guri não conseguia parar quieto.

A mulher recorda dos detalhes do dia em que  ele contou, sentado no sofá, que iria para a Ucrânia.

— O Douglas nos disse chorando que tinha tomado uma decisão e iria para a guerra porque as crianças precisavam de ajuda.

Para Cleuza, a sensação é de que a morte do filho não é real, sentimento compartilhado pelo pai. Com os olhos cheios de lágrimas, ele prefere não falar muito.

— Ainda não assimilamos que ele se foi. Não consigo falar porque não tem como segurar as lágrimas. Ele deixa um vazio — desabafa o veterinário aposentado, que agora trabalha na loja de pneus, onde tinha a companhia do filho.

Uma das gatas da família também demonstra sentir falta de Douglas como o procurasse pela casa.

— Ela dormia com ele — aponta a mãe, que também desabafa sobre a dor de não ter o corpo do filho para se despedir.

Desdobramentos para trazer o corpo ao Brasil

A Legião Internacional para Defesa da Ucrânia e a Embaixada do Brasil no país estão providenciando a documentação para o translado do corpo. Uma representante da legião pediu se a família aceita que ele seja cremado e as cinzas encaminhadas ao Brasil. Mesmo que esteja irreconhecível, porém, a mãe e as irmãs preferem o retorno do corpo ao Brasil. Já o pai prefere que as cinzas sejam transportadas em uma urna até Ausentes.

— Queremos não acreditar, mas o comandante da tropa onde ele estava nos contou que ele se foi. É um vazio porque não temos o corpo para nos despedir. Ele tinha uma bíblia, se vier o corpo dele vou saber que é ele. Ele tinha uma marca de queimadura na mão que eu reconheço porque ele se machucou quando era pequeno. É um vazio enorme, uma dor que te parte no meio e sem ter o corpo dele para dar um abraço, um beijo para se despedir. Quero ver ele, ter algo — diz sem segurar as lágrimas.

“Ele queria fazer a diferença”, conta a irmã

Douglas deixa a filha Eduarda, 15, que os amigos chamam de “Mini Douglas” por ter o mesmo jeito e paixões do pai. Apaixonado por rodeios, pelo tradicionalismo e pelo Grêmio, ele foi descrito como alguém de coração enorme, brincalhão e divertido:

— Eu fazia chiquinhas no cabelo da Denise, a minha (filha) do meio e ela passava na frente dele e dizia: “a mãe disse pra ti não me laçar e ele laçava as chiquinhas”. Ele era inteligente, intenso e não tinha medo de nada — recorda Cleuza.

Denise lembra com carinho das brincadeiras do irmão.

— Eu provocava e ele me laçava. O Douglas era comunicativo e alegre. Nós somos mais reservados, mas ele era falante. Ele dizia que queira ser útil e fazer a diferença.

Sobre as notícias que indicam que brasileiros foram lutar na Ucrânia como soldados contratados, Denise descarta:

— Ele (Douglas) era só coração, não precisava disso, sempre disse que ia ajudar e sabemos que ele foi como voluntário. Ele tirava dele para ajudar os outros.

A família não tem muitos detalhes de como ele chegou ao grupo que lhe passou as informações para a viagem, uma vez que a decisão de lutar na guerra só foi comunicada quando Douglas já tinha providenciado o necessário:

— Ele já tinha tudo o que precisava e nos comunicou. Tentamos fazer ele mudar de ideia, mas quando ele tomava uma decisão, não tinha como fazer ele mudar de ideia. Ele não voltava atrás e meu filho era corajoso — finaliza a mãe.

Fonte: Pioneiro

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