SOMOS IGUAIS… (até onde?!)

Eu chorei.
Chorei muito. Todas as vezes que ouvi sobre o pequeno Miguel. 
Sobre sua morte desumana. 
Sim, desumana. Contrário de humano, derivado do latim como “homem sábio”, que nos remete à ideia de Humanidade. Esse sentimento de benevolência, empatia, compaixão ao outro, àquele que precisa. Termo designado pela palavra ‘Ubuntu’ na região Sul Africana, originário na língua Zulu (pertencente ao grupo linguístico “bantu”) que literalmente significa “humanidade” ou mais conhecido pela expressão “Sou o que sou pelo que nós somos”.  
Eu sangrei também. Por Miguel, por George Floyd, por João Pedro Mattos, Ághata Vitória Sales Félix, Marielle Franco, Zumbi dos Palmares… E quantos mais?? Por que e para quem essas vidas negras foram sacrificadas?! Como falar de corpos negros mortos, sem falar em racismo. 
A premissa utópica de que todos somos iguais necessita, de forma urgente, de reformulação em um pensamento crítico e social que coloque em suspensão essa ideia que coloniza e cerceia corpos plurais, nômades e híbridos. Não! Os corpos não são iguais. São antropologicamente diversos em seus conceitos de gênero, identidade e cultura. Ondas tecitórias atravessadas por diversas cores e formas, em um conjunto maleável de elementos que constroem uma sociedade multicultural.
Há que se estar atento para que as ideias iluministas, dos séculos XVII e XVIII, que “acreditavam serem todos iguais perante a lei e que todos teriam o direito de defesa contra o abuso das autoridades”, não sofram distorções favoráveis a camadas excludentes e discriminatórias de nossa sociedade que beneficiam-se de um discurso, aparentemente, inclusivo para desprezar qualquer traço de identidade e pluralismo sócio-cultural. 
Enquanto continuarmos acreditando que se trata de “vitimismos” a luta e o grito dos oprimidos; que todos somos iguais, portanto, reconhecimento histórico, cotas ou políticas públicas específicas para grupos de mininorias e nossos povos originários são desnecessárias; que corpos negros, trans, femininos são mortos dentro das estatísticas, assim como, brancos, héteros e homens…Enquanto…Esse pensamento elitizado, de quem é privilegiado, continuar imperando até entre oprimidos (vide Sérgio Camargo presidente da Fundação Palmares), continuaremos acreditar que “tomar leite” publicamente, em um momento histórico de manifestações anti racistas, pode ser somente um ato ingênuo de campanha para aumento do consumo de leite ou, então, um ato de rebeldia de jovens insconsequentes querendo chamar atenção como no cult “Laranja Mecânica” (bom, mas aí sugiro você assistir de novo porque não entendeu nada). 
Assistir, reassistir, revisitar, reescrever, reler, ‘reentender’… a História que você perdeu. Que escorregou por entre os dedos, que lhe foi apresentada envolta a uma cortina de fumaça, que lhe fez acreditar em verdades absolutas, em determinismos e “caixinhas quadradas fechadas”… Que fez você concordar que o centro do mundo era a Europa, que civilizações primitivas e originárias eram atrasadas, boçais e desprovidas de conhecimento, que índios eram sem cultura, que negros valiam por arrobas que pesassem e que grupos imigrantes de etnias européias eram povos civilizadores e não colonizadores em uma tentativa vertical de branqueamento social. 
Fará até você continuar acreditando que a Lei Áurea – “Lei de Ouro” – tão difundida em nossos livros de História escolares de outrora foi, realmente, preciosa para os mais de 700 mil escravos negros que a Princesa Dona Isabel, filha de Dom Pedro II, libertou no dia 13 de maio de 1888, colocando fim à escravidão em um Brasil Imperial quase Republicano. E acreditará, como tantos, que 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, não precisaria existir, afinal, somos todos iguais… Não é mesmo?!  
 Eu, você, descendentes europeus, que precisamos gritar todos os dias que vidas ‘brancas’ importam…

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